A Tromba d’Água de 1949 em Americana

12 de dezembro de 1949.

Guardadas as devidas proporções geográficas, assim como milhões de pessoas se lembram de onde estavam no  20 de julho de 1969 ou no 11 de setembro de 2001, os antigos moradores de Americana estiveram, durante muito tempo, sempre prontos para responder à pergunta

Onde você estava durante a tromba d’água?

Há exatos 70 anos, uma gigantesca tempestade, seguida de transbordamentos e de uma inundação nunca vistos até então, deixou um rastro de destruição e morte. Até hoje, a tromba d’água de 1949 é a maior tragédia provocada por fatores naturais nos 144 anos de história de Americana.

A história da tromba d’água que chegou até os dias de hoje repete o roteiro de outros fatos que marcaram a memória da cidade. Começa com alguns poucos recortes de publicações da época, passa por uma série de relatos orais fantasiosos e mais preocupados com a romantização dos fatos, e, por fim, se consolida com a eterna reprodução de narrativas que falseiam os fatos reais.

Um detalhe marcante da história da tromba d’água é a presença de um circo no palco da tragédia. Corrigindo, não era apenas “um” circo, mas sim um dos maiores e melhores circos do Brasil à época, o Circo Teatro Universal, com mais de 70 componentes, incluindo artistas reconhecidos entre os mais célebres da história do circo brasileiro.

Talvez pelo caráter nômade do circo, sem maiores vínculos com a cidade, e pelo preconceito típico da sociedade provinciana da época em relação a artistas e “forasteiros”, o fato é que o Universal foi colocado em posição periférica nas narrativas sobre o episódio de 1949, mesmo tendo enfrentado a pior parte da catástrofe – além de estar instalado no local mais afetado pela tromba d’água e pela inundação, a maioria de seus artistas se encontrava desprotegida em frágeis barracas armadas ao seu redor.

A exceção, alimentada pela natureza inusitada da história, foi o papel de um palhaço do circo, que teria ajudado a salvar a vida de vários companheiros antes de sucumbir à tromba d’água e virar nome de rua em Americana.

A verdade, porém, é que os palhaços do Circo Teatro Universal se encontravam distantes do centro dos acontecimentos na noite de 12 de dezembro de 1949, e portanto não poderiam ter participado do salvamento.

Outra certeza é que nem mesmo uma tromba d’água houve. Entretanto, passados 70 anos de repetições da lenda, é tarefa ingrata tentar alterar a marca registrada do episódio.

Os detalhes da noite de 12 de dezembro de 1949 em Americana, incluindo seus antecedentes e sua repercussão, e a história dos principais envolvidos, são apresentados a seguir.

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O Piquenique Trágico

Meados da década de 1910 na então Villa Americana, ainda distrito de Campinas. Em pouco mais de dez ruas surgidas ao redor da estação ferroviária, a população não chegava a 2.000 habitantes. Como era de se esperar para um pequeno vilarejo como esse, a repercussão das notícias locais alcançava no máximo as cidades vizinhas. Desde muito, a única ocasião em que Villa Americana tornou-se notícia no restante do Estado foi durante a chamada “questão das divisas”, em que Campinas e Santa Bárbara disputaram, a partir dos últimos anos do século XIX, o direito ao território da vila. Essa disputa só se encerrou em 1904, com a decisão da Câmara dos Deputados de São Paulo (atual Assembleia Legislativa) a favor de Campinas.

Mas um fato ocorrido por aqui nessa época colocou Villa Americana em destaque em jornais de todo o Brasil. Uma comovente tragédia, envolvendo pessoas comuns, foi capaz de atrair a atenção de leitores ávidos por dramas da vida real. Posteriormente, uma famosa música, composta no mesmo dia da tragédia, ajudaria a aumentar o interesse sobre o episódio e a consolidá-lo no imaginário coletivo de várias gerações de americanenses. Era o “Piquenique Trágico”.

No entanto, a história “oficial”, contada e recontada por décadas em livros e artigos de jornais, foi ingrata com a verdade dos fatos. Em breve resumo, o que sempre se soube é que em um dia de 1914, um casal de namorados se divertia no Parque Ideal, quando o barco em que estavam veio a virar, resultando na morte da garota, filha de um irmão de Antônio Álvares Lobo, ex-intendente (prefeito) de Campinas e então presidente da Câmara dos Deputados do Estado.

Não, não havia um casal de namorados no barco, a jovem vítima não era sobrinha de Antônio Lobo e o fato nem mesmo ocorreu em 1914, apesar de seu “centenário” ter sido bastante comentado em 2014, na imprensa e nas redes sociais. E o passar do tempo também se encarregou de apagar da história a existência de um jovem herói, que com seu altruísmo evitou que o desastre do Parque Ideal fosse ainda maior.

Na realidade, o trágico piquenique ocorreu em 14 de maio de 1916. Hoje, portanto, completa exatamente 100 anos.

A história real está contada a seguir, com atenção voltada para três jovens de 15 a 19 anos, que tiveram suas vidas profundamente marcadas naquela tarde de domingo: Agar da Costa Lobo, José Santiago e Germano Benencase.

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